Quem é o sujeito indígena? (parte 1)

          Uma das questões que mais afligem professores e alunos quanto ao ensino de história e cultura indígena é em relação à construção das identidades indígenas. Entender a pluridiversidade e multiculturalidade das etnias indígenas é um dos principais desafios para alunos e professores. Nas postagens seguintes vamos discutir um pouco acerca da construção social das identidades e da diversidade das indígenas a partir das ideias de identidade e diferença e da diversidade linguísticas dos diversos povos indígenas no Brasil.

IDENTIDADE: um pouco de história

           Os estudos sobre identidade foram inaugurados pelos trabalhos GEORGE MEAD, CHARLES COOLEY dentre outros, na Universidade de Chicago, no início do século XX. 
  •  INTERACIONISMO SIMBÓLICO: Argumenta que a distinção EU – OUTRO surge apenas através da interação social.
  •  ANTECEDENTES: Perspectiva estruturalista; Saussure e as definições de signo e linguagem como sistema de definição de diferenças.
IDENTIDADE: definindo um conceito

          Da mesma forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida como auto referenciada; Como algo que remete a si própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente existe. Sendo assim, identidade e diferença estão em uma relação de estreita dependência

IDENTIDADE X DIFERENÇA

           O princípio de classificação que determina as identidades pessoais remete-nos a uma característica importante das sociedades humanas: a necessidade de nomear e representar os sujeitos, estabelecendo sentidos e significados para esses sujeitos e suas diferentes categorias;
           Logo, a identidade se afirma também a partir da diferença → da identificação do outro como oposto → momento de estabelecimento de hierarquias e categorizações.
            Segundo BRANDÃO (1986, p.16), a necessidade de classificação para o estabelecimento da identidade pessoal pressupõe: 
1) Como uma categoria de nominação e diferenciação de outros seres do mundo, a ideia de pessoa não é inata ao espírito humano, ela é uma produção social; 
2) Como outras construções simbólicas da cultura dos povos, a ideia de pessoa tem uma história própria, dentro da história social da humanidade; 
3) Em uma mesma época essa ideia difere de uma sociedade para a outra, podendo nem mesmo existir em algumas.

IDENTIDADE  e ETNIA: conceitos básicos
  • Identidade social - conhecimento do indivíduo de que pertence a um grupo, acrescido de significação e valor emocional;
  • Etnia - empregado nos estudos antropológicos para designar um grupo social que se diferencia de outros grupos por sua especificidade cultural e, em muitos casos, também é usado como sinônimo de grupo étnico.

IDENTIDADE ÉTNICA

          Segundo o Professor Dr Giovani José da Silva "uma etnia não é nem uma cultura, nem uma sociedade, mas um composto específico, um equilíbrio mais ou menos instável do cultural e do social“ (SILVA, 1986, p. 436);
          Assim a identidade étnica é dada a partir do reconhecimento da pertença a um determinado grupo étnico, que pela definição de Max Weber pode ser compreendido como:
“grupos que alimentam uma crença subjetiva em uma comunidade de origem, fundada nas semelhanças de aparência externa ou dos costumes, ou dos dois, ou nas lembranças da colonização ou da migração, de modo que esta crença torna-se importante para a propagação da comunalização, pouco importando que uma comunidade de sangue exista ou não objetivamente” (1979, p. 318; traduzido).
          Segundo Fredrik Barth, a identidade étnica abrange vários princípios indispensáveis para que haja a atração e a separação das populações, são esses princípios (conhecidos e compartilhados pela maioria dos componentes do grupo) que fazem com que os indivíduos se identifiquem como iguais, pertencentes ao mesmo grupo, aliados nos momentos de conflito externo, portadores de um mesmo discurso a respeito de temas pertinentes para o grupo, ou seja, acreditem que possuem vários elementos em comum. (POUTIGNAT, 1998).
           Ao mesmo tempo os integrantes do grupo procuram diferenciar-se daqueles que julgam diferentes, marcam a linha divisória entre o “nós” e os “outros”, procurando estabelecer limites, ou fronteiras na definição de BARTH, do que determinam o “nós”, sempre separando dos “outros”, essa separação pode ser simbólica mas definirá até onde é possível ir sem perder a identidade (ou igualdade) com o grupo.
           O conceito se define então como: 
“um grupo que se percebe como unido por um conjunto de tradições de que os seus vizinhos não compartilham e cujos membros utilizam subjetivamente de maneira simbólica ou emblemática aspectos de sua cultura, de modo a se diferenciar dos outros grupos” (POUTIGNAT, 1998, p. 83) 

IDENTIDADE ÉTNICA INDÍGENA

             As identidades construídas nas relações entre índios e brancos na América, historicamente, tenderam a depreciar o indígena. 
            Desde o período dos supostos “descobrimentos”, momento em que duas realidades socioculturais entraram em contato, as interações entre os habitantes das terras a oeste do Atlântico e os colonizadores construíram representações ou estranhamentos que relegaram a segundo plano as identidades dos chamados povos pré-colombianos. 
             Entre as interações que redimensionaram as identidades de índios e europeus destacam-se três níveis: a identidade cultural, a identidade pessoal e a identidade étnica.
            Para essa afirmação concordamos com o que coloca  a historiadora Paula Caleffi (2003, p. 21), ao tratar da desconstrução identitária das populações pré-colombianas, iniciada no século XVI, com a chegada de Colombo ao território que o navegador genovês imaginava ser as Índias Orientais. 
            Nesse momento, foi atribuída, pelos europeus, uma nova identidade aos grupos humanos ali existentes, generalizando-os como “índios”. 
            Essa classificação homogeneizante estabeleceu uma nova identidade, a partir da qual os índios, dali em diante assim chamados, passaram a ser representados na interação com o colonizador europeu.
            Tal identidade atribuída pelo colonizador, foi então, paulatinamente aceita e incorporada  pelos diversos indivíduos nativos, passando para isso por um processo de ressignificação e autoatribuição.
            A nova identidade atribuída por Colombo colocou numa mesma categoria culturas diversas e, considerando que as instituições que serviam de representação para as identidades nacionais nos século XV e XVI podiam também ser aplicadas aos grupos indígenas (língua, território tradicionalmente ocupado, história comum...), por que não dizer, nações diferentes. 
            Essa atribuição de identidade marcou o início do processo de desestruturação e reorganização da identidade cultural das populações nativas aqui existentes, o qual continuou com o envio de missionários religiosos que passaram a agrupar os índios em missões, reduções e aldeamentos, para lhes apresentar a fé católica e, através da catequização, impor os padrões de convivência e os modelos de produção que eram interessantes ao colonizador; (BOSI, 1992).

*Esse texto foi apresentado em forma de minicurso durante a IV Semana Transdisciplinar da Faculdade Santa Fé. Universidade e Responsabilidade Social: um lugar para interfaces e fronteiras,  São Luís- Ma, no ano de 2014.

REFERÊNCIAS

DA SILVA, Giovani José. Além do que os olhos vêem: reflexões sobre etnia, etnicidade e identidade étnica – os índios Atikum em Mato Grosso do Sul. In: Revista Tellus, Campo Grande - MS, ano 3, n. 5, p. 95-106, out. 2003.
CALEFFI, Paula. "O que é ser índio hoje?" A questão indígena na América Latina/Brasil no início do século XXI. In: Diálogos Latinoamericanos, núm.7, Dinamarca: Aarhus Universitet, pp. 20-42,   2003, 
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo:Companhia das Letras, 1992.
POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. São Paulo: Editora UNESP, 1998. 
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que "Cobra Grande"?

O Abraço da Serpente: um outro olhar sobre as identidades indígenas

Quem é o sujeito indígena? (parte 2)